quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ATENTADO

Andava pela rua tranquilo como um bom samaritano.
Pessoas felizes com a sua presença, gritavam desconexas;
Era uma tarde exuberante e cheia de otimismo; apesar do calor, do suor e do povo;
A brisa marinha raspava sua calva descoberta e bronzeada;
A rua estava feliz, o povo estava feliz, o mar estava azul.

Mas nem tudo é perfeito neste reino de gente “amarga” e vermelha que de longe começaram a mangar dele.
Povo mesquinho; ali uma liderança nacional e eles contra;
Paciência, pensou o líder com sua calva messiânica.

De repente algo veio ao seu encontro e o encontrou no meio de uma oração (um costume seu, muito antigo, caminhar orando).
Como é gostoso orar, rezar; os santos, o povo de Deus, os bispos, os pastores, até o papa.
“Deixa para lá, foi algo se importância; acho que alguém passou o lenço em minha calva suada.” Pensou .
E aquele homem, cheio de ternura e graça por ali a passear.

O telefone toca.
“Patrão é para o senhor.”
Atende.
Coça a cabeça.
Corre até a van.
Hospital.
Ressonância magnética.
Estava zonzo.
Seu equilíbrio.
Meu Deus!
Ai de mim;
alguém viu?
Não?
Ah!
Bem, sofri um atentado!

Manchete: “o homem calvo. Aquele homem, pronto para abraçar o Brasil, o mundo, foi alvejado!”
Perito: “Tenho certeza e acredito. Foi sim. Foi um rolo.”
“Compressor?” Perguntaram.
“Não. Rolo de fita. 500 gramas; mais a velocidade, a força, a trajetória: traumatismo. Ai, ai.”

Ah! meu Deus, como pode tamanha desfaçatez?
Será que Cristo também fingiu?
Kennedy, João Paulo II, Reagan?
Bolinha de papel; não fere, não machuca, não causa dor, não ganha eleição.
Adeus homem calvo. Adeus homem.



Porto Velho
nov. 2010

domingo, 14 de novembro de 2010

LA FUGA

Excelente poema do peruano Arturo Corcuera que esteve recentemente em Porto Velho.




¡Espinita de la tierra
hiérele sus pies desnudos!
Mi Camucha, tan porfiada,
se quiere fugar con otro
degollando mi cariño.
¡Espinita de la tierra
hiérele sus pies desnudos!
¡Avispa de los aires
pícale en el corazón!                
Si ahora niega quererme
por qué no lo negó         
aquella noche en la yerba.                
¡Avispa de los aires                       
pícale en el corazón!




Cantoral, Lima 1953.

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente) A Carlos Heitor Cony

Publico hoje este lindo poema de Thiago de Mello



Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III 
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV 
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: 
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V 
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI 
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII 
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX 
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X 
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI 
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII 
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: 
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII 
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final. 
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964